Mãe pede que filha viciada em crack seja esterilizada
Dependente química, moradora de Passo Fundo, não teria condições de cuidar dos três filhos
O pedido de uma moradora de Passo Fundo, que entrou com uma ação judicial pedindo a esterilização da filha viciada em crack, desperta controvérsia no Estado.
A autora da ação argumenta que já tem de tomar conta de três netos, os quais a dependente química não tem condições de cuidar devido ao abuso de drogas, e teme que a filha volte a engravidar. A ação chegou a ser extinta antes mesmo da análise do mérito, mas um recurso aceito pelo Tribunal de Justiça recolocou o pedido em tramitação este mês.
A solicitação de C. (a identidade é preservada porque o caso corre em segredo de Justiça) para a filha que completa 25 anos nesta sexta-feira ser submetida a uma laqueadura tubária para não ter mais filhos foi negada em primeira instância pelo juiz Átila Barreto Refosco. Ele considerou que não cabia à mãe pedir a esterilização da filha. Por isso, a ação foi extinta antes mesmo do julgamento do mérito ou de que a jovem fosse ouvida.
— O debate é interessante até para a sociedade ter consciência de onde chegam as implicações da dependência química. Mas não julguei o mérito, apenas considerei não havia legitimidade processual para a ação prosseguir — afirma Refosco.
A autora recorreu ao Tribunal de Justiça. Os desembargadores entenderam ser legítimo que a mãe da dependente química, por ter de criar os netos no lugar da filha, tivesse sua solicitação apreciada pela Justiça. O resultado prático disso é que a ação voltou a tramitar na primeira instância para, agora sim, o mérito do pedido ser julgado (leia entrevista abaixo).
— Agora vai haver processamento com citação da genitora, investigação da satisfação dos requisitos legais para a laqueadura, verificação da dependência química, se a jovem tem discernimento ou não. Vamos analisar para, ao final, decidir se é conveniente ou não a laqueadura — explica o juiz.
>>> Leia mais: "É o pedido de socorro de uma mãe", diz desembargador
A lei brasileira estabelece que a esterilização é possível em "homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos (...)" e que "a esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei".
Especialistas divergem sobre a medida
Embora ainda tramite na Justiça, o pedido inusitado da mãe para impedir a filha de gestar novos bebês desperta polêmica entre especialistas. Para a ex-desembargadora e advogada especializada em Direito de Família Maria Berenice Dias, as repetidas gestações não planejadas da dependente química negam aos filhos o direito constitucional da convivência familiar. Por isso, admite a possibilidade de laqueadura compulsória.
— Não vejo razão para o Estado e o Judiciário não permitirem (a esterilização), já que a avó é que cuida das crianças. Seria, no mínimo, perverso manter essa situação. Acima de uma pretensa liberdade ou vontade da jovem, há um valor maior que é o direito de essas crianças não nascerem — compara Maria Berenice.
José Roberto Goldim, professor da UFRGS e doutor em Bioética, considera que uma eventual decisão favorável à esterilização seria uma violação.
— O fato de ela ser uma dependente química não a torna incapaz de tomar decisões. Por isso, não se pode privá-la de ter a própria vontade reconhecida.
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