quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

SAÚDEMENTAL/ECONOMIA SOLIDÁRIA - Usuários de CAPS trabalham, tem renda e usam fantasias no Carnaval

Carnaval é cenário para emancipação socioeconômica


(imagem - foto colorida de um pessoa vestida com uma fantasia, com cores vivas e com predominância do laranja e amarelo, que é feita no "Barracão" pelos usuários da Saúde Mental visto em segundo plano trabalhando e costurando)


A preocupação em inserir socialmente pessoas que são usuárias de redes de atendimento à saúde mental é uma das questões de políticas públicas inspiradas pela Reforma Psiquiátrica no Brasil. Neste contexto, o trabalho a ser desenvolvido no projeto A Casa do Saci, com suporte teórico da tese A construção de um projeto de extensão universitária no contexto das políticas públicas: saúde mental e economia solidária, da professora Ana Luisa Aranha e Silva, da Escola de Enfermagem (EE) da USP, deixa um excelente exemplo de organização e esforços para estender o direito de trabalhar a essas pessoas.
Uma das vertentes do projeto é o trabalho realizado em um ateliê denominado Barracão, que fica no Tremembé, em São Paulo. Ali são confeccionadas fantasias de Carnaval de oito alas da Escola de Samba X-9 Paulistana. Mesmo com todo trabalho, o ambiente é de alegria e satisfação: os usuários de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e do Centros de Convivência e Cooperativa (CECCO) que executam as tarefas capricham nas colagens e nos recortes, e empenham toda sua concentração na tarefa.
Algumas das fantasias são usadas pelos próprios trabalhadores, pois muitos desfilam em uma das alas da X-9 chamada Loucos Pela X. Segundo a professora universitária Simone Aparecida Ramalho, uma das coordenadoras dos trabalhos do ateliê, desde 2001 existe a parceria entre o Barracão e a X-9, que começou a partir do convite de Lucas Pinto, um antigo carnavalesco da escola. Mesmo antes de realizar trabalhos para o carnaval, já eram feitos projetos de geração de renda com papel reciclado por pessoas que frequentavam ambulatórios em busca de tratamento mental. Desde então, os trabalhos vinculados ao Carnaval se estreitaram e o projeto de geração de renda e inclusão social dessas pessoas amadureceu, segundo os preceitos da Economia Solidária.
Economia Solidária
O conceito de economia ao qual essas pessoas estão incluídas ultrapassa as conhecidas relações de empregados e empregadores. O diferencial do projeto, segundo Ana, envolve autogestão e propriedade coletiva dos bens envolvidos nos trabalhos realizados. “A propriedade coletiva dos meios de produção, por aqueles que executam os trabalhos, faz parte do que chamamos de Economia Solidária”, ou seja, somente nesta aplicação essas pessoas passariam do estado de seres tutelados pelo Estado ou por seus familiares para pessoas emancipadas social e economicamente.
Além disso, a “concepção de trabalho ultrapassa a dimensão terapêutica e atinge a emancipação econômica e subjetiva” diz Ana, e continua “A inflexão será quando conseguirmos transformar esses usuários da rede pública de saúde mental em trabalhadores que são usuários do sistema”. Hoje, segundo Ana, eles são considerados usuários-trabalhadores.
Qualidade
“Inicialmente” conta Maria Sônia, uma das trabalhadoras do Barracão, “nós fazíamos só as fantasias da ala Loucos pela X, mas nosso trabalho foi muito elogiado e nos passaram fantasias de oito alas para trabalhar”. O samba da ala e a qualidade das fantasias interessou à X-9, que tem padrão de qualidade alto e competitivo, como qualquer outra escola do carnaval paulistano. “Estamos há 13 anos no mercado devido à qualidade do nosso trabalho” reforça Simone. Por isso, o carnavalesco da Escola acenou com a possibilidade de manter a contratação do ateliê para o carnaval de 2014.
A professora diz que o fato de integrar à rede produtiva do Carnaval fantasias fabricadas por esses usuários caracteriza uma luta antimanicomial diária, porque é um fator de integração de dois cenários que a sociedade, com seus preconceitos e desigualdades, normalmente separa. Por meio dessa atuação, pessoas normalmente segregadas tem assegurado renda, e, além disso, ampliado suas relações sociais, direitos que costumam ser tão banais a qualquer um, mas que são retirados daqueles que não se servem aos padrões que a sociedade capitalista impõe.
Imagem: Pedro Bolle / USP Imagens fonte - http://www.usp.br/agen/?p=127139
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