Publicação da ONU conta as experiências de dez defensores de direitos humanos sob proteção do Governo brasileiro
ONU no Brasil
Dez defensores de direitos humanos sob proteção especial do Governo brasileiro contam suas histórias em uma publicação lançada no final de 2012 pelas Nações Unidas no Brasil em parceria com a Embaixada do Reino dos Países Baixos, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Delegação da União Europeia no Brasil.
Dez defensores de direitos humanos sob proteção especial do Governo brasileiro contam suas histórias em uma publicação lançada no final de 2012 pelas Nações Unidas no Brasil em parceria com a Embaixada do Reino dos Países Baixos, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Delegação da União Europeia no Brasil.
A série de entrevistas, reunidas no documento “Dez faces da luta pelos direitos humanos”, apresenta denúncias na voz dos defensores de direitos humanos do País, as motivações de luta e os percalços inerentes à atuação de cada um.
As histórias desses homens e mulheres representam as experiências de todos os defensores incluídos e acompanhados pelo Programa Nacional e pelos Programas Estaduais de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. As atuações cobrem áreas distintas: direito à terra, à vida, à um tratamento adequado e não violento, ao meio ambiente, à manutenção de comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e de pescadores.
A publicação é uma iniciativa inspirada na Declaração sobre Defensores dos Direitos Humanos, de 9 de dezembro de 1998, quando os países afirmaram a responsabilidade de todos no que diz respeito a promoção e a proteção dos direitos humanos.
Após a Declaração de 1998, os brasileiros foram os primeiros e únicos no mundo a contar com um Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, executado pelo governo desde 2004. Ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, reconhece a importância dos defensores para a efetivação dos direitos.
Em 2007, outro grande avanço aconteceu com a instituição da Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Atualmente, está presente em oito estados brasileiros: Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará.
O defensor é atendido por equipes técnicas estaduais ou federais, são monitorados, têm o risco e a situação de ameaça em que se encontram avaliados periodicamente. Visitas no local de atuação do defensor, atendimento psicossocial, acompanhamento das investigações e denúncias fazem parte do Programa, além de articular medidas de proteção com órgãos de defesa e segurança. Excepcionalmente, é feita a retirada provisória do defensor do seu local de atuação em casos de grave ameaça ou risco iminente.
Leia abaixo um resumo das histórias contadas pelos dez defensores de direitos humanos à ONU no Brasil.
Alexandre Anderson de Souza
“Eu agradeço a vida a cada dia que acordo, porque talvez um dia eu não acorde mais.”
Desde 2003, o pescador Alexandre Anderson de Souza vem travando uma batalha em favor da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e de comunidades de pesca artesanais que vivem do que a baía tem para oferecer, frente à construção de empreendimentos petroquímicos que afetam o meio ambiente local.
“Estamos pescando 80% menos em relação ao final dos anos 90”, diz com base em um mapa participativo que ajudou a construir com a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em função das tentativas de reverter esse quadro, fala que já sofreu seis atentados e teve quatro companheiros mortos.
Alexandre é fundador e presidente da Associação dos Homens do Mar do Rio de Janeiro (Ahomar), com quase dois mil associados em sete municípios e mais de quatro mil pescadores representados. Montou um sindicato de pesca no estado e sonha em criar a primeira confederação nacional de pescadores artesanais no país.
Eliseu Lopes
“Mesmo com perseguições, com a falta de condições, a luta não está parada, estamos buscando nossos direitos.”
O Guarani-Kaiowá Eliseu Lopes começou a se envolver com as questões indígenas em 2003, quando se tornou professor da aldeia de Taquapiri, no Mato Grosso do Sul. Mais tarde, passou a ser porta-voz do Movimento Aty Guasu, que reúne os Guarani-Kaiowá, e se engajou na luta pela recuperação da terra que historicamente pertencia a seus antepassados e no apoio a lideranças nos outros 35 acampamentos indígenas do estado.
“Eu estava vendo muita liderança ser morta, meus parentes e minha família de sangue sofrendo, acampados à beira de uma rodovia federal esperando uma demarcação de terras que nunca acontece (…). Nós não usamos violência, mas continuamos sofrendo violência, atentados, assassinatos.”
Atualmente em Brasília, como coordenador de mobilização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o defensor atua com questões indígenas de todo o país. Enquanto estava na base, não podia ficar muito tempo em uma aldeia só. “É uma situação difícil, existe medo, porque não temos para onde correr. Por isso temos que enfrentar essa vida, não tem alternativa, temos que buscar o que é nosso.”
Evane Lopes
"‘Mãe, eu não queria morrer com 12 anos.’ Isso parte o coração de uma mãe."
Evane Lopes protagonizou uma série de ações em prol da comunidade quilombola de São Domingos e de outras quatro comunidades da região de Paracatu (MG), noroeste de Minas Gerais, onde a mineração e o latifúndio têm papel influente na política de municípios.
Conseguiu garantir direitos básicos para a população quilombola, exigir reparação de uma grande empresa que atua no local e levar as cinco comunidades da região para conversar com a Presidência da República. Também ganhou projeção como defensora de direitos: em setembro de 2012, foi selecionada para integrar o Grupo Nacional Assessor da Sociedade Civil da ONU Mulheres.
Casada desde os 17 anos e com três filhas, em 2012 Evane se viu ameaçada de morte por causa de sua atuação. Mas não pensa em parar de atuar. “Eu não vou mentir: tive receio pela minha família, que é o meu tesouro. Minha filha chegou a me dizer: “Mãe, eu não queria morrer com 12 anos”. Isso parte o coração de uma mãe. Mas ainda assim eu tenho o apoio da minha família, eu nunca passei para elas que lutar por um ideal é ruim.”
Gleydson Gleber Bento Alves de Lima Pinheiro
“A vida são princípios, são valores. Você pesa tudo e define o que quer.”
O juiz Gleydson Gleber, da 3ª Vara Criminal de Caruaru, uma cidade de 350 mil habitantes do Agreste pernambucano, foi o principal juiz da primeira grande operação contra o crime organizado de extermínio no país, em 2007. Mesmo sob riscos e ameaças, ajudou a desmantelar um esquema poderoso, que era responsável por um terço dos homicídios na cidade.
“De 180 [homicídios por ano], nós passamos para 120 homicídios no ano de 2007, índice que conseguimos segurar até hoje. E neste ano [ de 2012], de abril a final de junho nós não tivemos homicídios na cidade, passaram-se três meses sem homicídio.”
Gleydson afirma que sua atuação é a favor da vida e acredita que nos casos referentes a direitos humanos, o papel da justiça é aplicar a lei, e não ir aquém – abrandando penas – ou além –, fazendo justiçamento. E aplica o princípio de que todos têm direito a um bom tratamento durante o julgamento.
João Luís Joventino do Nascimento (João do Cumbe)
“Estamos vivendo uma recolonização.”
A comunidade tradicional do Cumbe, a 12 km do município de Aracati, litoral leste do Ceará, é rica em recursos naturais e em patrimônio cultural. É cercada por dunas, lagoas interdunares, gamboas, rio Jaguaribe, praias, uma extensa área de manguezal e carnaubais. A população é formada basicamente por pescadores e pescadoras que vivem da cata de caranguejo e de mariscos do manguezal.
Esse patrimônio vem sendo pressionado por grandes empreendimentos de carcinicultura – criação de camarão em cativeiro. É nessa comunidade que João Luís Joventino do Nascimento, ou João do Cumbe, como é mais conhecido, vem desenvolvendo sua luta para a preservação dos manguezais e da própria comunidade e suas tradições culturais desde 1996.
João usou a escola como ponto de partida para sua mobilização. Teceu redes, deu visibilidade aos problemas, colocou as necessidades de uma comunidade pobre e esquecida no mapa. Depois de mais de quinze anos de luta, agora aos 39 anos, decidiu ampliar sua atuação e fazer mestrado em Educação na Universidade Federal do Ceará. Ele garante que continuará disseminando a história e a luta do Cumbe em defesa dos manguezais e das dunas para alertar outras comunidades que venham a passar pelo mesmo problema.
Júlio César Ferraz de Souza
“Defensor de direitos também é ser humano.”
Aos 47 anos, Júlio César Ferraz de Souza vem atuando na garantia do direito à moradia em Manaus há quase duas décadas, e ajudou milhares de pessoas a conquistarem sua casa e alcançarem condições mais dignas de vida. Ele acredita e aposta no poder de organização da população sem-teto como forma de resistência às pressões políticas para despejo e desocupação de terras. Atualmente, é integrante e dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
Hoje o defensor combate a grilagem de terras públicas. “Os grileiros tomaram conta de 30 milhões de hectares de terras pertencentes ao Governo Federal ou doada a particulares que não reclamaram. É uma terra que poderia estar sendo usada para acomodar parte dos 800 mil sem-teto de Manaus.”
Júlio foi militante do Partido dos Trabalhadores na década de 1980 e funcionário do governo do Amazonas. Formado técnico em patologia, Júlio nunca mais conseguiu emprego depois do início da luta. Foi preso, sofreu torturas, foi ameaçado de morte. Com um problema cardíaco descoberto em 2012, tem o sonho de reencontrar o filho que não vê há três anos.
Leonora Brunetto
“Não dá pra abandonar um povo tão sofrido.”
Há mais de três décadas, a gaúcha Leonora Brunetto, 67 anos de idade, atua em defesa de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra. Integrante da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), irmã Leonora vem organizando lideranças e empoderando jovens para lutar pelo direito à terra e por questões associadas à pequena produção agroecológica.
Atuou no Rio Grande do Sul, em Tocantins, no Rio Grande do Norte e no Maranhão. Atualmente, integra a CPT do Norte de Mato Grosso, e vem enfrentando com a voz suave e calma, mas com garra, coragem e fé o agronegócio e as grilagens de terra que dominam a região. Sua aposta é no poder da juventude para garantir que a agricultura familiar se fortaleça e permaneça no local.
“Ao mesmo tempo em que você tem medo, você tem uma força divina para dizer: ‘não pare, pode lutar, pode continuar’. (…) No começo, o medo era pavoroso, ficava com vontade de largar. Agora, ele é um sinal para reflexão.”
Maria Joel Dias (Joelma)
“Construímos essa história porque eu não me acovardei.”
A história de Maria Joel Dias, mais conhecida como Joelma, poderia ser apenas mais uma história de milhares de brasileiros que foram para o estado do Pará na década de 1980 em busca de melhores condições de vida e de terras para tirar o seu sustento e encontraram uma situação completamente diferente da esperada. Porém, a partir das ações de seu marido, o sindicalista José Dutra da Costa (Dezinho), morto no ano 2000, ela conseguiu garantir terra, esperança e sustento para parte desses brasileiros que foram parar em Rondon do Pará, município com cerca de 45 mil habitantes no sudeste do estado.
Aos 49 anos, Joelma atua a favor dos trabalhadores rurais desde 2002, quando assumiu a presidência do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura do município, cargo antes ocupado pelo seu marido. De acordo com ela, sua luta é a continuidade do sonho de Dezinho. Por tudo o que ele lutava em vida, Joelma não deixou de colocar a cara no mundo denunciando grilagens, exploração madeireira e lutando por melhores condições de vida. Atualmente, é coordenadora regional da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Pará.
Rosivaldo Ferreira Dias (Cacique Babau)
“O lugar sagrado tem que ser preservado.”
Com um riso fácil e um excelente domínio da palavra, o Tupinambá Rosivaldo Ferreira Dias, o Cacique Babau, tem na ponta da língua a história de sua aldeia de Serra do Padeiro, no município de Buerarema, nos arredores de Ilhéus, na Bahia. Aos 38 anos e pai de dois filhos, ele lidera desde o ano 2000 a organização de sua tribo para lutar pela garantia de seus direitos. Seu poder de articulação e espírito empreendedor conseguiram reunir cerca de 900 pessoas de 180 famílias em torno de um modo de produção de agricultura familiar comunitário e sustentável.
Coordenou 21 retomadas de terras que já foram reconhecidas como pertencentes ao seu povo. Suas três cicatrizes de tiros recebidos mostram que nem sempre essa luta é feita de forma pacífica. Ele sofre perseguições políticas, processos de criminalização e, em 2010, foi preso. Em virtude disso, foi inserido no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, com o propósito de assegurar a continuidade da sua batalha pelo direito à terra e preservação da cultura Tupinambá.
Nada parece diminuir a vontade de liderar uma luta que vai além de questões de posse de terra, mas passa também por tradições, questões religiosas e preservação do meio ambiente: de acordo com os Tupinambá da Serra, a Serra do Padeiro é considerada um lugar sagrado e deve ser devolvida em sua totalidade e integridade aos seus habitantes originais.
Saverio Paolillo (Padre Xavier)
“Nosso trabalho é incompreendido.”
Natural da Itália, o Padre Saverio Paolillo, mais conhecido no Brasil como Padre Xavier, vem atuando em favor dos direitos da criança e do adolescente brasileiros desde 1985. Abrigos, casas-lares, centros de defesa, programas de liberdade assistida, projetos profissionalizantes e assistência às famílias de meninos e meninas abrigados ou em conflito com a lei estão entre as suas realizações.
Como integrante e coordenador da Pastoral do Menor, denunciou inúmeras situações de violação de direitos humanos nas unidades de internação de adolescentes. Conseguiu dar visibilidade internacional ao problema ao levar a situação para a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Também participou como mediador de incontáveis conflitos e rebeliões.
Padre Xavier integra o Conselho Estadual de Direitos Humanos e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Espírito Santo. Ele acredita que há uma visão equivocada a respeito do trabalho que realiza e sofre cotidianamente pressões por defender os direitos de uma parcela da população que, em sua opinião, precisa, acima de tudo, de políticas públicas que efetivem os direitos humanos.
FONTE - http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3681
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