quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CINEMA E RACISMO - Ultimo fílme de Tarantino abre polêmica sobre racismo

Combater o Racismo não é missão para Django (mas talvez seja para mim, às vezes)

André Forastieri (jornalista)

forasta1 Combater o racismo não é missão para <i>Django</i> (mas talvez seja para mim, às vezes)
(imagem publicidade do filme Django Livre com o ator negro Jamie Foxx, com um revólver na mão, tendo ao fundo um cenário de inverno rigoroso com montanhas, floresta e muita neve)


Django Livre estreia no Brasil sob fogo cerrado: o faroeste de Quentin Tarantino é racista! Pilhas de críticos repetem a acusação; um diretor conhecido pela militância, Spike Lee, assina embaixo e diz que não vai assistir. É racista mesmo? Não dá pra negar que os personagens do filme repetem a palavra nigger mais de cem vezes. Nigger não tem tradução em português. É bem mais pesado do que, digamos, crioulo. Para ter uma ideia, muitos americanos não falam a palavra nem para condená-la - preferem "N-word", a palavra que começa com N.
Quentin se defende. Diz que no velho oeste havia escravidão, e racismo, e o vocabulário era esse mesmo. Os críticos fulminam que não é desculpa: Django Livre não é um retrato realista da América do século 19. E de fato não é, como Bastardos Inglórios não prima pela fidelidade documental à Segunda Guerra.
É uma mescla de dois gêneros queridos do diretor: o faroeste espaguete de seu amado Sérgio Corbucci, e os filmes de blaxploitation, feitos por e para negros nos anos 70, protagonizados por negões comedores e suas mulatas do balaco - Jim Brown, Jim Kelly, Pam Grier e por aí vai. Nigger era tão comum nesses filmes quanto no rap, mas a regra é: negros podem usar a palavra, brancos não.
Django Livre é um faroeste italiano convencional, mezzo pistolone, mezzo pastelone. Como suas inspirações - e boa parte do melhorcinema da Itália - é simultaneamente dramático, cômico e violento. O anti-herói Django é um escravo negro que é separado da mulher, é recrutado por um melífluo caçador de recompensas, e enfrenta céu e terra para resgatá-la. Nesse sotaque black power, alguns diálogos cortantes, e na trilha sonora e sangreira contemporâneas, se resumem as tarantinices e surrealices do filme.

Para a maioria dos fãs de cinema, Django não botará nem realismo, nem racismo na balança. Que importa? O que importa em cinema é a arte, ou pelo menos a diversão. O filme é sensacional ou não é? A vida não é tão simples para quem vive escrevendo. Como ficou claro recentemente, quando fui chamado a me explicar no Ministério Público do Estado de São Paulo. Fui denunciado por... racismo.

Se você é leitor habitual, a esta hora está de queixo tão caído quanto eu fiquei. Costumo exagerar na falta de preconceito. Para mim, as pessoas devem ser julgadas pelo que fazem, não pelo que são. Já assinei dezenas de textos batendo em preconceitos esses e aqueles. Julgar uma pessoa pela quantidade de melanina é como julgar pelo número de letras do seu nome: não faz sentido nenhum.
Mas lá fui. E foi educativo, como confessei ao final ao promotor Julio Cesar Botelho. Embora, como eu não disse a ele, tenha sido também humilhante. Como me provocou o próprio, sorridente, dei azar de pegar um promotor afrodescendente. Não era um debate de iguais, e aliás nem era um debate. Dependendo das conclusões do promotor, eu poderia vir a enfrentar um processo ou não.
O processo era improvável e não me preocupava. Ser chamado, ou confundido com racista, depois de 24 anos escrevendo, me tirou um pouco do sério. O doutor certa hora me passou um pito. Enfrentei. Ele levantou o volume. Eu, hm, baixei o meu. Porque era a coisa inteligente a fazer, e porque me caiu uma ficha. Chegamos a um compromisso e nos despedimos amigavelmente. Prometi escrever um texto no futuro deixando clara minha posição contra o preconceito. É este.
O ponto na conversa com o promotor que mexeu comigo foi quando me forcei a reconhecer que, sim, meu texto poderia ser entendido como preconceituoso. Foi muito difícil eu engolir essa. O que eu decido que é racismo não é o que um negro decide que é racismo. Bidu... não, falo sério; e a questão me incomodou, porque séria, e eu não tinha entendido até os 47 anos de idade.
Sou obrigado a buscar um novo equilíbrio, a partir de agora, quando sento para escrever. Porque não quero que um negro conclua que eu o julgo inferior, pela cor de sua pele. E nem vou me obrigar e me travestir de negro, mulher, deficiente ou o que quer que eu não seja, cada vez que escrevo. O enfrentamento me arejou as ideias. Deslocou minhas atenções do habitual, meu umbigo, para os problemas reais de preconceito, que grupos e indivíduos enfrentam todo dia, e que promotores de justiça combatem. É trabalho para Hércules; talvez seja de Sísifo; e que bom que há quem faça.
Não eu; não como missão cotidiana. É pouco analisar ou criticar o preconceito e a injustiça, sei. Melhor abater esses inimigos à bala, à primeira vista, como em um western. Prometi a Julio Cesar fazer melhor, e farei. Mas esta é a vocação de um promotor, não a minha. Não sou juiz nem repórter. Escrevo para tentar me entender, e ao mundo. Muitas vezes só sei o que penso sobre algo quando chego ao ponto final, e às vezes nem aí. Um blog como este é uma coleção de ensaios, no sentido original de Montaigne: em francês, essayer significa tentar.
FONTE - http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2013/01/09/combater-o-racismo-nao-e-missao-para-django-mas-talvez-seja-para-mim-as-vezes/

LEIA TAMBÉM SOBRE O TEMA NO MEU BLOG INFOATIVO.DEFNET: 

INCLUSÃO, RACISMO E DIFERENÇA http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/05/inclusao-racismo-e-diferenca.html

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