Família de cegos revela talento na arte do acordeon
Superando barreiras, pelo amor à sanfona, irmãos de Canindé cantam e encantam a população da cidade
Canindé
"A cordena faz parte do corpo do instrumento. O sanfoneiro sem a sanfona está aleijado, lhe falta um pedaço". A frase de Bagre Fernandes, sanfoneiro gaúcho, em trecho do filme "O milagre de Santa Luzia", pode parecer forte e alegórica, mas é irremediavelmente verdadeira. Sanfoneiro, gaiteiro ou acordeonista, os nomes variam conforme a região brasileira.
Um homem e quatro mulheres formam a Banda Elegantes do Forró. Canindé é celeiro de sanfoneiros. Frei Jean de Sousa é um dos incentivadores fotos: Ant. Carlos Alves
Ao instrumentista, o que realmente interessa é estar abraçado ao fole, uma visceral extensão do corpo de quem vive para tocá-la. A sanfona dá tudo, mas também cobra o preço. Os momentos sublimes em que sons perfeitos deslizam pelas mãos custam dores, lesões e marcas. O corpo que tem a sanfona como apêndice nunca passa impunemente pelos anos. Mas o sanfoneiro não reclama, afinal, esse é seu quinhão. É dessa forma que ele faz da música brasileira um referencial de cultura e identidade, em qualquer canto do País.
Um desses lugares é Canindé, no Sertão Central, a 126 quilômetros da Capital, onde cinco irmãos cegos, um homem e quatro mulheres, fazem da música uma maneira de ocupar o vazio do dia a dia. Eles formam a Banda Elegantes do Forró, a base de sanfona, pandeiro, zabumba, triângulo e chocalho. Nilo Gomes Araújo, Luiza Gomes Araújo, Graça Gomes Araújo, Helena Gomes e Rita de Cássia, os irmãos nasceram cegos numa família de pai, mãe e 11 irmãos. A cegueira deles é um mistério que os médicos ainda não conseguiram explicar.
Para seu Nilo, a sanfona é sua paixão. "A sanfona toca a alma de nossa gente. Ela faz a trilha sonora do Nordeste", lembra. Segundo ele, aprendeu a tocar sozinho ouvindo os outros tocarem. "Na minha juventude, a sanfona era a minha diversão depois da lida com os animais no campo".
Perguntado como um deficiente visual fazia para lidar com o gado. Ele respondeu: "Eu esperava. Em cada rês, colocava um chocalho, aí a gente sabia qual vinha na frente e qual vinha atrás, sabia que vaca ia passando", diz.
"Um instrumento como a sanfona é um traço cultural do povo, como o violão para a bossa nova, o pandeiro para o sambista, o piano para os eruditos, quase uma extensão do corpo, com uma vantagem, a sanfona é o instrumento que fica mais perto do coração", diz seu Nilo, primo da cantora Kátia Cilene, que despontou no meio musical cantando na banda Mastruz com Leite.
Antônia Pereira Araújo diz que está casada com Nilo há 37 anos e a sanfona é a sua segunda mulher. "Meu marido tem um grande carinho pela música. Ele é fã sob todos os aspectos de Luiz Gonzaga", relata.
Um grande exemplo de vida da família dos irmãos cegos vem de Graça Gomes Araújo, uma dona de casa. É isso mesmo, dona Graça faz tudo. Até a decoração da casa foi ela quem escolheu. Sensível, trabalhadora e vaidosa, Graça não sai para trabalhar sem antes caprichar no visual. "Sou a cantora da banda, por isso está sempre bem na fita".
Rita de Cássia toca o zabumba. Mas em horas vagas cuida de seu comércio. "Sendo em moeda, eu sei passar o troco certinho, agora sendo em cédulas eu passo, mas se estiver tudo separadinho". O que mais chama atenção nessa família é que eles são dispostos, trabalhadores e têm um humor fantástico. Um detalhe especial é que toda família estuda e aprende. Eles se interessam pela educação e tem uma professora que vem até eles.
O material didático na aula são cartões com o alfabeto em braile e a reglete, uma régua onde o aluno faz a perfuração com pressão. Eles perfuram para formar as letras.
Município é berço para sanfoneiros
Canindé Este município é hoje um celeiro de sanfoneiros. Nomes ilustres formam uma legião de pessoas que brilham no cenário da música nacional. Conhecida internacionalmente por abrigar o maior santuário franciscano da América Latina, Canindé é também uma região de nomes expressivos da arte popular. A terra de São Francisco tem ganhado fama com o talento de sanfoneiros que dominam bem a arte de tocar os oito baixos.
O garoto, que faz o 6º ano no Centro Educacional São Francisco, começou no mundo da música aos 10 anos tocando teclado. Com sua sanfona, faz cinco meses que realiza apresentações na cidade. Frei Jean é um de seus fãs
Entre os famosos estão os sanfoneiros Hidelbrando Marques Pinto, o Hidelbrando do Acordeom, e Didi dos Brasas do Forró, que nasceu no Distrito de Bonito e foi buscar fama mundo afora. Eles já se apresentaram em vários programas de TV em nível nacional.
Hidelbrando do Acordeom é um artista autodidata. Dos 55 anos de idade, 35 são dedicados à música. Já viajou o País inteiro. Chegou a se apresentar nos programas "Faustão", "Xuxa", "Gugu", "Ratinho" e tocou no bar do ator Luciano Zaffir, no Rio de Janeiro. Hidelbrando despontou para o mundo da música durante a exibição da novela "Tropicaliente", da Rede Globo, gravada no Ceará. Ele chegou a tocar em diversas praias cearenses para os integrantes da telenovela. O mais novo sucesso de Hidelbrando é o hino da estátua de São Francisco.
Também natural da terra de São Francisco é Toinho do Dedé. Do antigo bairro do Matadouro, ele foi mostrar todo seu talento em terras paraenses. Atualmente, o mestre da sanfona faz sucesso ao lado de Estevão do Acordeom, todos fim de Semana no Parque de Exposição da cidade.
Vindo do distrito de Salitre, José Edilson herdou o nome de guerra de seu torrão natal. Hoje, Edilson do Salitre puxa o fole em terras piauienses numa das bandas mais sofisticadas de Pedro II, "Baião com Salsa", que já se apresentou em todos os canais de televisão da região. Essa tradição, que remonta a história da sanfona e permanece viva no sertão nordestino, em especial Canindé, dá provas do quanto a cidade é rica em bons sanfoneiros. "Todos eles começaram do nada e hoje estão fazendo o maior sucesso em todo o País. Isso é muito bom, porque desperta o interesse de outros artistas pela arte de tocar sanfona, um dos instrumentos mais complicados de manuseio", ressalta o estudioso da cultura popular canindeense, Arievaldo Viana Lima, um forte admirador da arte de tocar sanfona.
Sucesso
Sávio Silva Marques, ou simplesmente Savinho do Acordeom, de apenas 12 anos, já faz sucesso em Canindé. Por onde ele passa, a festa é incontestável. O garoto, que faz o 6º ano no Centro Educacional São Francisco no turno da tarde, começou para o mundo da música aos 10 anos tocando teclado. Com sua sanfona, faz cinco meses que realiza apresentações na cidade.
Seus pais, Francisco Diassis Martins Feitosa e Francisca Daniele Silva Teixeira, são os maiores incentivadores do menino. "Gosto de tocar as músicas de Luiz Gonzaga, como Asa Branca, Assum Preto, Sala de Reboco. Se Luiz Gonzaga encantou o mundo com suas músicas em sua sanfona branca, posso também chegar lá. Só depende do meu próprio esforço e determinação".
O menino toca tão bem que chamou a atenção de frei Jean de Sousa, um franciscano apaixonado pela cultura popular e vai ganhar de presente uma sanfona com seu estilo e tamanho. "Precisamos acreditar mais nas pessoas simples e humildes. Savinho vai longe e é a grande promessa da música do sertão".
O secretário de Cultura e Esporte de Canindé, Jander Silva, diz que o novo governo vai investir nessas potencialidades, porque Canindé tem artistas de diversos níveis. "Pela primeira vez, nos 20 anos de história da cidade, que um prefeito entrega a cultura a uma pessoa que vem do meio artístico. Isto significa que a cultura estará entregue aos artistas".
Talento
12 anos é a idade do novo artista promissor de Canindé. Trata-se de Sávio Silva Marques, ou simplesmente "Savinho do Acordeom" como é chamado
ANTÔNIO CARLOS ALVESCOLABORADOR
Um homem e quatro mulheres formam a Banda Elegantes do Forró. Canindé é celeiro de sanfoneiros. Frei Jean de Sousa é um dos incentivadores fotos: Ant. Carlos Alves
Ao instrumentista, o que realmente interessa é estar abraçado ao fole, uma visceral extensão do corpo de quem vive para tocá-la. A sanfona dá tudo, mas também cobra o preço. Os momentos sublimes em que sons perfeitos deslizam pelas mãos custam dores, lesões e marcas. O corpo que tem a sanfona como apêndice nunca passa impunemente pelos anos. Mas o sanfoneiro não reclama, afinal, esse é seu quinhão. É dessa forma que ele faz da música brasileira um referencial de cultura e identidade, em qualquer canto do País.
Um desses lugares é Canindé, no Sertão Central, a 126 quilômetros da Capital, onde cinco irmãos cegos, um homem e quatro mulheres, fazem da música uma maneira de ocupar o vazio do dia a dia. Eles formam a Banda Elegantes do Forró, a base de sanfona, pandeiro, zabumba, triângulo e chocalho. Nilo Gomes Araújo, Luiza Gomes Araújo, Graça Gomes Araújo, Helena Gomes e Rita de Cássia, os irmãos nasceram cegos numa família de pai, mãe e 11 irmãos. A cegueira deles é um mistério que os médicos ainda não conseguiram explicar.
Para seu Nilo, a sanfona é sua paixão. "A sanfona toca a alma de nossa gente. Ela faz a trilha sonora do Nordeste", lembra. Segundo ele, aprendeu a tocar sozinho ouvindo os outros tocarem. "Na minha juventude, a sanfona era a minha diversão depois da lida com os animais no campo".
Perguntado como um deficiente visual fazia para lidar com o gado. Ele respondeu: "Eu esperava. Em cada rês, colocava um chocalho, aí a gente sabia qual vinha na frente e qual vinha atrás, sabia que vaca ia passando", diz.
"Um instrumento como a sanfona é um traço cultural do povo, como o violão para a bossa nova, o pandeiro para o sambista, o piano para os eruditos, quase uma extensão do corpo, com uma vantagem, a sanfona é o instrumento que fica mais perto do coração", diz seu Nilo, primo da cantora Kátia Cilene, que despontou no meio musical cantando na banda Mastruz com Leite.
Antônia Pereira Araújo diz que está casada com Nilo há 37 anos e a sanfona é a sua segunda mulher. "Meu marido tem um grande carinho pela música. Ele é fã sob todos os aspectos de Luiz Gonzaga", relata.
Um grande exemplo de vida da família dos irmãos cegos vem de Graça Gomes Araújo, uma dona de casa. É isso mesmo, dona Graça faz tudo. Até a decoração da casa foi ela quem escolheu. Sensível, trabalhadora e vaidosa, Graça não sai para trabalhar sem antes caprichar no visual. "Sou a cantora da banda, por isso está sempre bem na fita".
Rita de Cássia toca o zabumba. Mas em horas vagas cuida de seu comércio. "Sendo em moeda, eu sei passar o troco certinho, agora sendo em cédulas eu passo, mas se estiver tudo separadinho". O que mais chama atenção nessa família é que eles são dispostos, trabalhadores e têm um humor fantástico. Um detalhe especial é que toda família estuda e aprende. Eles se interessam pela educação e tem uma professora que vem até eles.
O material didático na aula são cartões com o alfabeto em braile e a reglete, uma régua onde o aluno faz a perfuração com pressão. Eles perfuram para formar as letras.
Município é berço para sanfoneiros
Canindé Este município é hoje um celeiro de sanfoneiros. Nomes ilustres formam uma legião de pessoas que brilham no cenário da música nacional. Conhecida internacionalmente por abrigar o maior santuário franciscano da América Latina, Canindé é também uma região de nomes expressivos da arte popular. A terra de São Francisco tem ganhado fama com o talento de sanfoneiros que dominam bem a arte de tocar os oito baixos.
O garoto, que faz o 6º ano no Centro Educacional São Francisco, começou no mundo da música aos 10 anos tocando teclado. Com sua sanfona, faz cinco meses que realiza apresentações na cidade. Frei Jean é um de seus fãs
Entre os famosos estão os sanfoneiros Hidelbrando Marques Pinto, o Hidelbrando do Acordeom, e Didi dos Brasas do Forró, que nasceu no Distrito de Bonito e foi buscar fama mundo afora. Eles já se apresentaram em vários programas de TV em nível nacional.
Hidelbrando do Acordeom é um artista autodidata. Dos 55 anos de idade, 35 são dedicados à música. Já viajou o País inteiro. Chegou a se apresentar nos programas "Faustão", "Xuxa", "Gugu", "Ratinho" e tocou no bar do ator Luciano Zaffir, no Rio de Janeiro. Hidelbrando despontou para o mundo da música durante a exibição da novela "Tropicaliente", da Rede Globo, gravada no Ceará. Ele chegou a tocar em diversas praias cearenses para os integrantes da telenovela. O mais novo sucesso de Hidelbrando é o hino da estátua de São Francisco.
Também natural da terra de São Francisco é Toinho do Dedé. Do antigo bairro do Matadouro, ele foi mostrar todo seu talento em terras paraenses. Atualmente, o mestre da sanfona faz sucesso ao lado de Estevão do Acordeom, todos fim de Semana no Parque de Exposição da cidade.
Vindo do distrito de Salitre, José Edilson herdou o nome de guerra de seu torrão natal. Hoje, Edilson do Salitre puxa o fole em terras piauienses numa das bandas mais sofisticadas de Pedro II, "Baião com Salsa", que já se apresentou em todos os canais de televisão da região. Essa tradição, que remonta a história da sanfona e permanece viva no sertão nordestino, em especial Canindé, dá provas do quanto a cidade é rica em bons sanfoneiros. "Todos eles começaram do nada e hoje estão fazendo o maior sucesso em todo o País. Isso é muito bom, porque desperta o interesse de outros artistas pela arte de tocar sanfona, um dos instrumentos mais complicados de manuseio", ressalta o estudioso da cultura popular canindeense, Arievaldo Viana Lima, um forte admirador da arte de tocar sanfona.
Sucesso
Sávio Silva Marques, ou simplesmente Savinho do Acordeom, de apenas 12 anos, já faz sucesso em Canindé. Por onde ele passa, a festa é incontestável. O garoto, que faz o 6º ano no Centro Educacional São Francisco no turno da tarde, começou para o mundo da música aos 10 anos tocando teclado. Com sua sanfona, faz cinco meses que realiza apresentações na cidade.
Seus pais, Francisco Diassis Martins Feitosa e Francisca Daniele Silva Teixeira, são os maiores incentivadores do menino. "Gosto de tocar as músicas de Luiz Gonzaga, como Asa Branca, Assum Preto, Sala de Reboco. Se Luiz Gonzaga encantou o mundo com suas músicas em sua sanfona branca, posso também chegar lá. Só depende do meu próprio esforço e determinação".
O menino toca tão bem que chamou a atenção de frei Jean de Sousa, um franciscano apaixonado pela cultura popular e vai ganhar de presente uma sanfona com seu estilo e tamanho. "Precisamos acreditar mais nas pessoas simples e humildes. Savinho vai longe e é a grande promessa da música do sertão".
O secretário de Cultura e Esporte de Canindé, Jander Silva, diz que o novo governo vai investir nessas potencialidades, porque Canindé tem artistas de diversos níveis. "Pela primeira vez, nos 20 anos de história da cidade, que um prefeito entrega a cultura a uma pessoa que vem do meio artístico. Isto significa que a cultura estará entregue aos artistas".
Talento
12 anos é a idade do novo artista promissor de Canindé. Trata-se de Sávio Silva Marques, ou simplesmente "Savinho do Acordeom" como é chamado
ANTÔNIO CARLOS ALVESCOLABORADOR
FONTE-DIÁRIO DO NORDESTE - http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1220410
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