terça-feira, 25 de junho de 2013

CRACK/PESQUISAS - Pesquisa de universidades revela comportamento de dependentes do Crack

Os bastidores do crack

Pesquisa busca dados aprofundados sobre o comportamento dos usuários de crack no Rio de Janeiro e em Salvador. A ideia é que os resultados contribuam com ações governamentais junto a esse grupo.
Por: Déborah Araujo
Consultório de rua para dependentes químicos
*(imagem- fotografia em tons alaranjados, colorida, Unidade de consultório de rua para dependentes químicos na cidade do Recife (PE). Pesquisa visa contribuir para ações governamentais de intervenção junto a usuários de crack. (foto: Erasmo Salomão, ASCOM/MS/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0
A maioria dos estudos sobre o crack sugere que o uso da substância é prevalente entre jovens marginalizados, com graves problemas de saúde e envolvimento com o crime, e suas informações param por aí. Em busca de dados mais aprofundados, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) avaliaram recentemente o comportamento de 160 usuários regulares de crack na capital fluminense e em Salvador.
Além das características já conhecidas, o estudo identificou outras: usuários de crack nas duas cidades tendem a fazer uso de outras drogas e mantêm comportamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis e transmitidas pelo sangue. “As taxas encontradas foram ainda mais altas do que supúnhamos”, declara o psiquiatra Marcelo Santos Cruz, professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e coordenador do estudo. “Além disso, a não utilização do preservativo, a alta frequência de relações sexuais, o grande número de parceiros diferentes e a troca de sexo por droga, comportamentos comuns entre os usuários, são muito preocupantes.”
A pesquisa também aponta que 42% e 70% dos usuários, respectivamente, do Rio e de Salvador, têm algum tipo de trabalho, legal ou ilegal, portanto, recebem algum tipo de remuneração. A prostituição é uma forma de se obter dinheiro para o consumo para 17% do grupo de usuários de crack da capital fluminense e para 8% dos voluntários da capital baiana. Além disso, 56% dos usuários de Salvador já haviam sido detidos pela polícia, contra 28% dos usuários do Rio.
O estudo buscou identificar ainda o modo como o crack é consumido. Os recipientes plásticos são os preferidos dos usuários do município do Rio (87%) para fumar a pedra de crack, já os de Salvador preferem fumar a substância misturada aos cigarros de maconha (34%) ou ao cigarro comum (10%).

Entrevistas e exames

Além da equipe liderada pelo psiquiatra Marcelo Santos Cruz, da UFRJ, o estudo também envolveu pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade Simon Fraser e do Centro de Dependência e Saúde Mental – as duas últimas do Canadá.
Foram avaliados, entre novembro de 2010 e junho de 2011, 81 usuários de crack da cidade do Rio de Janeiro e 79 de Salvador, todos na faixa etária entre 18 e 24 anos. As duas cidades foram escolhidas para a pesquisa por terem equipes com mais experiência e maior acesso aos usuários que vivem nas ruas. “Usamos os contatos com pessoas da comunidade que as equipes já conheciam para convidar usuários de crack para as entrevistas”, explica Cruz.
As entrevistas foram feitas a partir de um questionário com seis partes: informações sócio-demográficas (sexo, idade, moradia, escolaridade, fontes de renda, entre outras); padrão do uso de drogas, incluindo padrão de uso de crack; comportamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis; autoavaliação da saúde mental e física; utilização de serviços sociais e de saúde; e problemas com a polícia.
Os pesquisadores também realizaram testes sorológicos para os vírus da hepatite B (HBV) e C (HCV) e da Aids (HIV). Os exames revelaram que 3,7% dos voluntários do Rio de Janeiro e 11,2% dos de Salvador são portadores do HIV. Cinco participantes do Rio de Janeiro estão contaminados pelo vírus HBV e apenas um de Salvador teve resultado positivo para o HCV. “O fato de termos encontrado baixas taxas de contaminação por HIV (no Rio) e pelos vírus das hepatites B e C (nas duas cidades) mostra uma janela de oportunidade de ações preventivas”, acrescenta o psiquiatra.

Ações preventivas

Os dados coletados no estudo visam contribuir para os trabalhos de intervenção do governo federal junto a usuários de crack. “É importante mapear a rede de serviços públicos oferecida a pessoas com problemas com drogas em cada área para melhorar o encaminhamento e articulação dos mesmos”, ressalta Cruz.
Entre os projetos em andamento, o pesquisador destaca os Consultórios na Rua de Salvador, que desde o fim da década de 1990 atendem principalmente crianças e adolescentes usuários de álcool e drogas. “São ações sociais e de saúde que incluem atividades de prevenção, encaminhamento para a rede e, em alguns casos, até tratamento realizado nos locais onde as pessoas estão”, completa.
Cruz é crítico ao projeto de lei que autoriza a internação involuntária de dependentes de drogas, em votação no congresso. Para ele, esse tipo de internação só deve ser feito nos casos em que o médico, após examinar a pessoa individualmente, percebe que ela coloca a sua vida ou a de outras em risco. “São situações muito diferentes quando você define a internação involuntária para cada indivíduo e quando você define para grupos.”
Além disso, o pesquisador acredita que a internação por si só não garante nada além de retirar o individuo imediatamente da situação em que se encontra. “Tem que haver condições de tratamento adequadas para essas pessoas, o que não é o caso de muitos serviços de internação em atividade hoje”, completa. 
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