sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

CINEMA@REALIDADE - A Hora Mais Escura e a naturalização da Tortura

A Hora Mais Escura reflete a América na guerra contra o terror


(imagem - foto colorida com uma mulher branca, norteamerica, de braços cruzados que tem sua sombra projetada em quadro onde a bandeira dos EUA está emoldurada.) 
Nas mais de 2 horas e meia de “A Hora Mais Escura”, sua protagonista Maya (Jessica Chastain), uma agente da CIA à caça de Osama bin Laden, nunca fala em capturar o terrorista. Sua clara intenção é somente uma: matar o líder da Al-Qaeda. Uma obsessão de morte que pode ser vista como espelho, no qual Maya se torna o reflexo daquilo que caça. Em seu terninho preto, dispondo de amplo aparato logístico e usando técnicas de tortura, ela personifica uma versão ocidentalizada do jihad islâmico. Não quer servir apenas como o escudo que defende, mas ser a espada flamejante que vinga os mortos da nação.
A personagem Maya, que Jessica Chastain (“A Árvore da Vida”) interpreta com devotado equilíbrio, talvez seja o principal elemento do filme sobre o qual recaia o peso de refletir a América em guerra contra o terror. Logo no início, vemos seu desconforto diante de uma sessão de tortura. Mas esse desconforto não impede que mais adiante ela mesma se mostre dura com o sofrimento do prisioneiro, por saber que ele tem a informação que ela precisa. Uma postura determinada que passa por cima do desconforto e revela sutilmente o abismo moral de sua conduta.
Depois de ter arrebatado seis Oscars em 2010 com seu “Guerra ao Terror” (incluindo Melhor Filme e Melhor Direção), a diretora Kathryn Bigelow abandona a aproximação quase intimista que havia no drama dos soldados de um esquadrão antibombas em operação no Iraque. Desta vez, Bigelow faz todo esforço possível para se manter distante e neutra, construindo um retrato que mescla fatos reais com cinema, ao retratar a caçada verídica ao terrorista Osama bin Laden.
Por isso, “A Hora Mais Escura” se aproxima do tom documental, especialmente no que se refere à sua montagem. Esta opção cria dois problemas. O primeiro diz respeito à polêmica. Pois no tom documental há uma clara omissão da diretora em emitir juízo de valor no que se refere às torturas mostradas no filme. Tem-se um registro frio de situações que aconteciam na época, o que não deixa de refletir a proposta. O segundo problema é que a opção resulta num filme frio, bastante prolixo e que sintetiza de forma irreal a passagem de tempo.
O aspecto prolixo já se prenuncia na extensa duração do filme. Por sua vez, a montagem encontra dificuldades em dar sentido a um registro que quer cobrir um largo espaço de tempo e de locais, mas que é apresentado de forma a dar poucos subsídios para o espectador assimilar onde e quando está ocorrendo o que se vê na tela. Não que as informações sejam omitidas, mas a dinâmica da ação tende a suprimir a noção do tempo despendido.
Um exemplo dessa deficiente amarração fica claro numa sequência em que agentes tentam localizar um suspeito através do seu sinal de celular. É elementar, pelos diálogos entre os agentes, que toda a operação levou meses para ser concluída. No entanto, a montagem realizada passa ao espectador uma sensação de poucos dias, o que causa certa discrepância entre o que se vê (a sensação de temporalidade que a imagem deve passar) e o que se sabe através dos diálogos.
Há também um número razoável de cenas que nada acrescentam ao andamento do filme. Servem, algumas vezes, para tentar criar empatia com algum personagem. Novamente sente-se a discrepância dessa opção em contraste com o tom sempre frio, quase distante, que o filme adota. Essas aproximações apenas travam a narrativa, roubando sua fluidez.
Por outro lado, “A Hora Mais Escura” funciona bem ao criar uma perspectiva da burocracia e dos intermináveis níveis hierárquicos da espionagem americana. Nesse aspecto, tem-se uma boa noção do emaranhado do poder, desde o campo de ação até a dependência de uma decisão presidencial. Em seu registro de bastidores da caçada ao homem mais procurado do mundo, o filme é bastante eficaz. Mesmo com problemas estruturais, serve como registro de um momento histórico.
A cena final, que pode dar a impressão de humanizar sua protagonista para além de sua obsessão em matar Osama bin Laden, é um ótimo reflexo daquilo que Maya simboliza, ainda que muito sutilmente. Há algo de humano em sua reação, mas também há algo de vazio no modo como ela encerra sua jornada.
O que parece ser alívio pode ser também o surgimento de um vácuo. Um vazio a ser preenchido. Mesmo com a missão cumprida. O que talvez seja a grande questão proposta ao fim da exibição.
FONTE - http://pipocamoderna.com.br/a-hora-mais-escura-reflete-a-america-na-guerra-contra-o-terror/232250

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